Novus City, dez anos atrás.

 Algumas noites, as lembranças parecem sonhos. Como resquícios de uma outra vida, de uma história que não é minha. Lembro da forma como a lua parecia iluminar tudo naquela noite. A maneira como vovó Caridade observava as estrelas pela janela. Havia algo de errado, mas a atmosfera era bonita. Seu rosto inexpressivo parecia despreocupado, enquanto insistia que eu fosse para a cama, com minha PokéDoll de Clefairy. Meu eu de cinco anos apenas concordou, lamentando que teria de esperar até o dia seguinte, quando seu pais estariam de volta em casa. Mas o dia seguinte nunca chegou.

 Ao invés disso,  memórias turvas de muitos amigos e parentes, inclusive funcionários da Organização para a qual meus pais prestavam seus serviços como consultores. Eu não entendia a natureza da relação com aquelas pessoas, algo que mesmo na atualidade ainda não compreendi completamente. Mas eram todos colegas de trabalho, e uma vez que não tínhamos parentes ali em Kanto, eram tudo o que tínhamos na despedida também. Eu e vovó observamos enquanto meus pais eram elogiados por seus estudos e pesquisa Pokémon, e pela maneira como se tornaram essenciais na pesquisa de novos usos para plantas medicinais antigas. Infelizmente, o terrível acidente que tirou-lhes a vida tinha também tomado a de seus pokémons, que mesmo dentro de suas pokébolas não puderam resistir à enorme explosão do laboratório. Duas esferas negras fúnebres tinham sido depositadas, em cada um dos caixões. O brilho lustroso no metal esférico é grande parte de que me lembro.

   Por algum motivo, os dias que se seguiram foram bastante estranhos. Vovó parecia inquieta, mais preocupada do que tristonha, embora o luto tivesse mudado boa parte de sua atitude bondosa e elegante. Lembro que viajamos para o interior, onde segundo ela, teríamos o que era necessário para que eu crescesse de maneira saudável e segura. Foi quando encontramos as irmãs Canalizadoras do Monastério da Aura. Um grupo de mulheres religiosas que acredita no equilíbrio entre as forças do Caos e da Ordem, mas principalmente no lugar sagrado de todos os pokémons lendários. Elas se uniram em segredo na irmandade, mantendo-se neutras na busca pelo equilíbrio da Aura, em prol de manter o mundo estável após o Grande Cataclisma. Minha avó era uma dessas mulheres, e achava que havia chegado o momento de que eu recebesse a mesma educação, longe das cidades. Eu sentia que havia algum motivo a mais para que ela me entregasse para a Canalizadora Hope, mas quando vovó partiu, lembro-me do choro e da dor de ser, aos meus olhos, abandonada.

 Templo das Memórias, hoje.

   Cresci com os ensinamentos sagrados, com os olhos abertos para a verdade além do mundo físico. Com minhas orações constantes para os deuses de nosso mundo, que juntos formam todas as coisas, aprendi a respeitar igualmente todos os seres sagrados que habitam nosso mundo. As sacerdotisas me ensinaram a ler e a canalizar a aura, abrindo meu coração para as forças da natureza e as essências de tudo aquilo que vive em todos os seres vivos. Lá fora, eu não tinha certeza sobre como o mundo funcionava, mas no Templo das Memórias, as mulheres mais velhas falavam de um tempo em que haviam muitas regiões diferentes pelo mundo, e que mares dividiam cidades que hoje estão próximas. Elas falavam de estranhas batalha e lendas antigas, e meu interesse apenas aumentava. Quando completei quinze anos, fui ordenada como uma Guardiã da Aura, bem como uma Shaman iniciante. Aquilo significava que a partir daquele momento, eu teria que partir em uma jornada para desbravar Pokegea. Eu desejava saber mais sobre a minha família, descobrir se vovó ainda estava viva e perguntar porque tinha me abandonado. Mas eu também queria conhecer os pokémons e as cidades, ver o mundo e viver aventuras como aquelas das quais as Canalizadoras falavam. Eu queria ter meus próprios amigos pokémons, e coletar insígnias de ginásio! Eu queria ser uma Mestre Pokémon, forte o bastante para que meus pais se orgulhassem de mim.

     Quando deixei o Templo das Memórias com uma carta de recomendação da Canalizadora Hope para o Professor Oak, sequei uma lágrima discreta com ansiedade. Mesmo assim, não pude evitar sorrir quando o Charizard chamado pela sacerdotisa através do Ride Pager chegou. Eu mal começava a minha jornada e já iria voando para Pallet! Sorrindo, deixei um grito de empolgação escapar da minha garganta, enquanto ganhava os céus e sentia pela primeira vez em muitos anos, que o sol brilhava mais uma vez em muitos tons coloridos, belo e assustador.