Os Primeiros Passos: Como se Tornar um Yakuza!

-- Luvas, luvas! Fala sério, quem é que precisa de luvas?! -- Esbravejou Junta, assim que pôs os pés do lado de fora do laboratório. Após sua entrada escandalosa no prédio, e sua falta de cuidados ao segurar um pokémon tipo veneno com Poison Point e sem quaisquer proteções, foi nada mais do que natural ter que escutar meia hora de sermões dos funcionários do laboratório, além de ser feito prometer não repetir a atitude e tomar as medidas necessárias dali para frente, ou não poderia seguir sua jornada - chegaram até a lhe dar um conjunto de luvas e forçá-lo a vestir para garantir que não usaria a desculpa de não ter dinheiro e não comprá-las. Junta, é claro, concordou de mau grado com as determinações. Ele não tinha outra escolha, o que poderia fazer? Era só ele contra cinco funcionários e o Professor. Ainda não havia ingressado em um grupo, e sem um pokémon, não era capaz de contestar as ordens de ninguém dali. Seu sonho de se tornar um membro da yakuza não poderia ser parado por causa de umas regrinhas estúpidas de civis que desconheciam o meio yakuza. Se tinha que jogar pelas regras deles para obter o que queria, que assim fosse. Ao menos, por agora. Logo, logo, Junta seria capaz de fazer o que queria, quando queria. Pela honra do clã, é claro.

Nidoran, por sua vez, não entedia muito bem o motivo da comoção de Junta - em parte, por ser muito novo -, muito menos o que era todo aquele assunto e conversa sobre yakuza, pois sequer sabia o que a palavra significava. Mas, mesmo assim, acompanhava a revolta com uma expressão igualmente zangada à do garoto. Se era algo que Junta queria, Nidoran acreditava piamente que era algo bom. Afinal, Junta era seu primeiro amigo. Após ser tantas vezes rejeitado por outros treinadores, aquele menino o escolheu. Junta acreditava que ele era importante, que ele era forte e necessário em sua jornada. Nidoran poderia ter pedido por nada mais além de ser querido.

-- Eles vão ver só, quando eu tirar essas luvas... -- O garoto começou a puxá-las da mão, mas parou sem mover um centímetro sequer. Seu rosto se franziu. -- Tirar. Essas. Luvas! -- Ele tentou puxar novamente, porém sua mão estava dura como pedra, punho cerrado. Suas memórias lembraram-no do valor de uma palavra para um yakuza, e como havia prometido utilizar as luvas caso quisesse seguir a jornada. Ele olhou de canto para a porta do laboratório, a alguns metros longe de si. Seu rosto se franziu ainda mais, como se houvesse chupado um limão inteirinho. Ele estalou a língua. -- ...ou eu faço isso mais tarde. É, mais tarde. 'Tá meio frio aqui fora. Né não, Nidoran? Frio?

O pequeno rato chiou em concordância.

-- É! É isso aí. 'Tá frio. -- Ele retomou os passos, seus lábios formando um biquinho inconformado. Mas parou tão cedo começou. Nidoran tomou um susto com o grito. -- AH! Quase esqueci!

Junta enfiou uma das mãos no bolso da bermuda, de lá puxando um papelzinho amassado e muito machucado - não por falta de cuidado, mas por excesso de uso. Havia diversos rasgos onde pareciam ser marcas de borracha repetidamente usadas, rabiscos de caneta espalhados e diversos pokémons que acreditava ser lendários desenhados em estilo tradicional. A maioria dos desenhos não era muito bem feita, Junta definitivamente não era um dos melhores artistas, porém ele parecia orgulhar-se do resultado mesmo assim.

Desamassando o papel por completo, no topo lia-se: "Lista Quase-Oficial de Como se Tornar um Yakuza!", e logo abaixo, mais para a direita: "Por Yuuko Junta (e referências!)". Havia seis pontos numerados na lista, sendo os cinco primeiros: comprar uma roupa de yakuza (penteado também), conseguir um pokémon de yakuza (veneno), vencer uma batalha e provar meu valor como yakuza, conseguir um aniki, fazer uma tatuagem de yakuza. Ao lado, encontrava-se uma pequena observação: "não necessariamente nessa ordem". O último objetivo estava no final da folha. Enumerado com interrogações, era apenas "virar yakuza!".

Um sorriso se abriu de um lado ao outro do rosto de Junta. Ele olhou para Nidoran, mostrando a lista ao companheiro.

-- Essa é a minha lista quase-oficial de como vamos virar yakuzas! Eu até fiz os desenhos dos pokémons das lendas que eles fazem tatuagem. Viu só? -- Disse, apontando para eles nas bordas da folha. Os olhos de Nidoran brilharam em admiração. -- Mas ainda 'tá faltando coisa. E não sei se a ordem 'tá certa, cada filme foi diferente, daí essa lista não é a final.

Ele enfiou a mão no bolso novamente, retirando uma caneta dessa vez.

-- Mas o importante é que completamos um deles! -- Num movimento rápido de mão, ele riscou "conseguir um pokémon de yakuza (veneno)". Ao lado do objetivo, dedicou alguns minutos para desenhar a cabeça de Nidoran e escrever seu nome. Quando se deu por satisfeito com o desenho, o que não demorou muito, mostrou para Nidoran. -- É você!

Os olhos do rato chegaram a lacrimejar. Ele pulou para cima de Junta, abraçando o garoto na altura da barriga. Pego de surpresa, Junta quase caiu para trás. Rindo, disse:

-- Eu sei que eu desenho bem, Nidoran. Você pode ficar com ele quando a gente fizer a lista nova. Agora... -- Ele levou a lista aos olhos e leu outra vez. -- ...a gente tem que batalhar! É claro, precisamos ficar mais fortes se a gente quiser entrar num clã. Eles não convidam treinadores fracos.

Nidoran assentiu, enxugando as lágrimas e vestindo uma expressão confiante. Enaltecido pelo garoto, Nidoran estava pronto para dar o seu melhor no que quer que fosse.

-- E aqui deve ter muito treinador fraco. Eu fiquei olhando a manhã toda, eles acabaram de conseguir seus pokémons e nunca batalharam antes! -- Junta constatou, sem considerar que ele próprio estava incluído nessa classificação. Olhando de um lado ao outro, ele procurou atentamente por alguém ou algum pokémon à vista. Para quem quer que apareceu primeiro, gritou:

-- Ei, você! Eu te desafio para uma batalha (pela nossa honra como futuros yakuza)!

Pegue-o!

Junta parecia estar declarando ao próprio céu um desafio, pois, mesmo que tivesse visto uma série de novos treinadores, nenhum deles poupou-lhe sequer um segundo olhar para o jovem treinador. De fato, muitos podiam pensar que não seria bom tentar uma batalha logo de cara...outros. Bem, outros apenas o ignorou de livre e espontânea vontade.

Nidoran pareceu ter percebido isso, já que suas orelhas caíram de tristeza, grunhindo murmúrios cortados. No entanto, antes que o treinador pudesse fazer algo sobre aquela situação —seja fisicamente, presumindo que ele poderia simplesmente agarrar alguém pela gola e chacoalhar, seja com palavras de conforto para seu pokémon —o chão resolveu ter pena dele, se abrindo para dar vida a uma criatura cinza, com uma espécie de capacete marrom e com grandes presas amarelas e laranjas. Ele quase derrubou Junta, antes de voltar para seu buraco e abrir outro atrás do treinador...

OFF:

-- Hoy! Você! Não 'tá me ouvindo? Não 'tá me vendo?![/color] -- Ele balançou os braços no ar, gritando e tentando chamar a atenção de outros treinadores diversas vezes, mas sequer olharam em sua direção. Nidoran também tentou ajudar, dando uns pulinhos, chiando para os pokémons dos outros, porém seu esforço foi igualmente em vão.

-- Será que eu 'tô fedendo, Nidoran? -- Perguntou, cheirando debaixo do braço. O rato aproximou-se de Junta, por vez cheirando seus pés. O único aroma que ambos sentiam era da colônia que Junta usava todos os dias, Kazuma Kiryu. Era uma linha de aromas baseada em um yakuza de um de seus jogos favoritos. -- É claro que não 'tô. Um verdadeiro yakuza nunca esqueceria seu perfume.

Ele franziu as sobrancelhas e cruzou os braços, encucado com a situação. De canto de olho, pôde ver o rosto de Nidoran aos poucos assumindo um olhar tristonho. O garoto sentiu o peito apertar, sua expressão amoleceu. Porém, sem que pudesse reagir, o chão sob seus pés começou a tremer.

Junta andou para trás assim que se deu conta do que estava acontecendo, por muito pouco não tropeçando e caindo no buraco. No primeiro sinal do chão se ruindo, ele gritou; mas tão logo parou quando uma pequena criatura surgiu de dentro dele. De corpo cinzento, dentes afiados e um capacete estranho... Junta simplesmente não sabia que bicho era aquele. Seu interesse resumia-se a pokémons de Yakuza (em sua expertise ingênua, isso significava tipos veneno), e para qualquer tipo que fugisse disso, não buscava se informar sobre, sequer procurava o nome. Era uma atitude inconsequente, porém isso também significava que ele era uma criança simples de se entender. E, é claro, o fato de não ser um tipo veneno não desmerecia a possibilidade de combate. Outros treinadores podiam não ter respondido, mas aquela criatura parecia ter escutado seu desafio. Isso já era o suficiente para reacender sua empolgação.

-- Eu sabia que alguém viria. -- Ou assim acreditava. -- Nidoran, esse é o nosso momento. Só precisamos vencer essa batalha.

Junta apontou para a criatura. Então, se deu conta de que o pequeno animal havia sumido.

-- É o que?

Questionou-se, coçando a cabeça. De repente, o bicho surgiu novamente, mas dessa vez, de trás do garoto. Ele gritou novamente. Sua testa estava vermelha.

-- Você não assusta um futuro yakuza. Nidoran, se prepare! -- O rato saltitou para frente. -- Comece com Leer, e depois use Poison Sting!

A escolha óbvia, para Junta, era sempre um ataque tipo veneno, independente de qualquer vantagem de tipo que pudesse ter. Porque, bem, era o caminho dos Yakuza. Para ele, ao menos. Nidoran olhou para trás e sacudiu a cabeça, sem entender.

-- Você não tem Poison Sting, Nidoran?

O rato chiou em negação. Junta franziu o rosto. Nunca fizera uma expressão mais abalada do que aquela.

-- E-então... -- Ele gaguejou, pegando a pokédex do bolso pela primeira vez. Usou o pequeno aparelho em Nidoran, lendo rapidamente os movimentos de seu companheiro. Não deu muita importância para as descrições - ao menos delas Junta poderia se gabar que sabia. -- Não achei que fosse precisar usar isso, mas até que vem a calhar. Nidoran, use Peck!

Nidoran chiou, agora sim munido de confiança. Correndo atrás de seu oponente, encarou-o com verdadeira autoridade e investiu seu dente afiado contra o corpo cinzento à sua frente.

OFF-GAME:

Pegue-o!

Quem diria que o velho aparelho viria a calhar, não é mesmo? Mas, infelizmente, a Pokédex não parece resolver todos os problemas de Junta pois, pouco antes de Nidoran cair em cima dele com suas garras afiadas, o pokémon se encolhe em seu buraco, como se estivesse acabado de cometer um erro e confundido o aspirador a mafioso com outra pessoa. Parecia que ninguém realmente queria saciar a sede de luta que o garoto magricela estava nutrindo.

Era como se o mundo dissesse que não valia a pena. Bem, isso doía. Era um grande desrespeito para uma figura tão sombria e...mafiosa quanto Junta Yuuko.

Apesar disso, o pokémon voltou para a superfície e chiou amigavelmente, despedindo-se uma última vez... Ou, pelo menos, era isso que queria quando mergulhou em outro buraco.

OFF:

A investida de Nidoran não conectou. Mais rápido que o rato, seu oponente mergulhou de volta ao buraco, desaparecendo de vista. Nidoran olhou para o chão desamparado, acreditando ter sido sua culpa o pokémon ter escapado. Junta compartilhava do mesmo sentimento, no seu caso também misturado com uma grande dose de frustração, embora de maneira alguma passasse por sua cabeça de aquilo fosse fruto de uma falha de Nidoran. Fosse sincero consigo, havia perdido parte da confiança que tão orgulhosamente expusera minutos antes.

Perguntava-se se não estaria fazendo algo algo de errado, ou se havia pulado, talvez esquecido, de algum passo no seu Guia de Como se Tornar um Yakuza. Chegou a levar uma das mãos ao bolso, para buscar o pequeno papel da lista e revisá-la, mas foi pego de surpresa com a reaparição repentina do bicho, acenando para si e Nidoran, como quem o chamasse, na leitura do garoto. O pokémon mergulhou outra vez de volta ao solo logo após. Os olhos de Junta brilharam.

-- Nidoran, não se abale, ele 'tá nós desafiando. É claro! -- Do canto da boca do garoto, um sorriso entretido surgiu. Por pouco tempo, no entanto. Logo lembrou-se que o oponente seu e de Nidoran gostava, por algum motivo, de surgir debaixo de seus pés ou atrás de si. -- Mas não dessa vez... ninguém, nem nada, assusta um Yakuza.

Ele apontou para o chão sob seus pés com uma instância de combate.

-- Nidoran, ele vai tentar me dar um susto de novo. Vai falhar, claro, mas fique de frente 'pra mim. Temos que ser mais rápidos que ele. Quando eu contar três, ataque com seu Peck. Não se preocupe comigo, eu vou pular bem na hora. -- Junta bateu no peito, vestindo uma expressão confiante. Nidoran, mesmo um tanto incerto e com medo de acertá-lo, assentiu com a cabeça.

-- Um, dois... três!

OFF-GAME:

Pegue-o!

Junta parecia confiante e muito sábio no que se tratava de um pokémon que ele nem ao menos sabia quem era ou o que queria. Acreditando que os acenos de despedidas, educadamente dado pelo cinzento, era um desafio, preparou-se para saltar no exato momento que ele eclodiria do solo, pronto para pinça-lo com suas enormes garras.

Foi o que aconteceu, no entanto, não do jeito que pensava.

O novo pokémon emergiu, mas não embaixo dele como um atacante raivoso. Ele apareceu pela porta da frente, ou melhor, buraco; como se tivesse percebido que Junta não quisesse que fosse. Junta olhou-o longamente, embora fossem apenas alguns segundos, surpreso pela audácia, antes que Nidoran percebesse seu erro e se jogasse contra ele com o chifre abaixado para espetá-lo. O outro assustou-se e fugiu para outro buraco antes de aparecer, novamente, a esquerda do treinador, e soltar um grunhido de reclamação.

Ele estava começando a entender que ele o queria mal. Ele estava começando a entender que se não agisse seria machucado.

Ele não gostava nada disso.

OFF:

Estivesse o pequeno pokémon zangado ou não, Junta pecava e muito quanto se tratava de entender os sentimentos de seu oponente, ou até mesmo de outras pessoas, por sempre deixar seus ideais e quaisquer emoções ligadas a eles guiarem sua cabeça. Estava cego frente a sede de uma batalha e sua pressa para completar sua ambiciosa, e de mesma proporção ingênua, lista de metas. Mas, sobretudo, estava cego por acreditar, como toda criança de sua idade tem algo para acreditar, que o mundo se moldava conforme a ficção dos filmes e jogos de yakuza que colecionava em seu quarto desde menor. Isso ainda lhe custaria uma lição ou outra no futuro, é claro. Naquela primeira luta, a empolgação falava mais alto.

-- Eh- -- Junta arquejou, tão logo viu que o pokémon não apareceu nem embaixo, nem atrás de si, mas sim na sua frente. Pego desprevenido, ele precisou de alguns segundos para processar a falha na sua estratégia. Haveria lido seu oponente errado, ele se questionou. De certo, qualquer um que parasse para observar o pokémon facilmente diria que era uma criatura dócil e sociável, que apenas queria interagir com Junta. Para o garoto, por sua vez, era de duas, uma: o pokémon estava caçoando de si ou era um oponente formidável, que não deveria ser subestimado. A ideia do último cenário lhe deixava perplexo. A batalha poderia ser mais valiosa do que estimara de começo.

Apesar do plano falho, Nidoran já havia dado início a sua investida, forçando Junta a acordar de seus delírios e desviar pulando para o lado. Como o garoto havia percebido segundos antes, o plano havia falhado. Ele havia errado em sua previsão. Mas o rato apenas reparou no erro quando já era tarde demais, e sua tentativa de tentar corrigí-lo serviu somente para fazer seu oponente perceber que o que a dupla buscava não era conversa, mas sim uma batalha. E que, naquele momento, ele estava sob ataque.

Ajeitando-se em uma nova instância de batalha, Junta viu seu oponente sumir e ressurgir em outro buraco, à sua esquerda. Os gemidos raivosos (e justificados) do bicho anunciavam que o combate estava ficando sério, assim o garoto acreditava.

-- Ele é melhor do que pensei. -- Disse, em um tom baixo. Ele olhou para cada buraco ali, pensando nos dois ataques que Nidoran conhecia. Mas nenhuma nova ideia surgiu. Mesmo que ele se afastasse dos buracos, o bicho era rápido e poderoso o suficiente para abrir novos. -- Não temos escolha, Nidoran. A gente vai ter que adivinhar onde ele vai aparecer.

Nidoran chiou, concordando. Sua expressão, em contrapartida, não era uma das melhores. Estava tanto acuado, ainda recordando dos seus últimos ataques, todos, sem exceção, frustrados. Conseguiria conectar alguma investida?

-- Eu já vi isso nos filmes. -- Junta assegurou o companheiro. -- Tem lutas que acabam assim. Vamo' ter que ser mais rápidos também. Se prepare!

Com a cabeça, Junta indicou para Nidoran o buraco a sua frente, onde o bicho apareceu primeiro dessa vez, e embaixo de si, onde o bicho por mais vezes apareceu. Cada um olhando para um buraco, a dupla manteve seus olhos e ouvidos atentos para qualquer pista de onde ele apareceria dessa vez.

-- Não hesite, Nidoran! -- Ele sussurrou. -- Use seu Peck!

OFF-GAME:

Pegue-o!

Como da última vez, Nidoran se posicionou, agachado e o chifre preparado para perfurar o outro pokémon. Como da última vez, ele apareceu do outro lado de Junta, surgindo do lado direito. Não estava muito longe e Nidoran pensou que talvez pudesse alcançá-lo, exceto que não podia. Tão rápido quanto apareceu, o outro sumiu, escondendo-se no exato momento que o roedor mergulhava contra ele.

O tipo poison caiu de cara no buraco e seu rosto prendeu. Ele gritou e puxou, debatendo-se enquanto tentava soltar seu chifre. Foi aí que o inimigo se aproveitou, cavando mais a direita do treinador e fechando suas garras envolta da pata traseira direita do coelho roxo. Ouve um estalo e então um grito de dor. Nidoran se arrepiou ao ter a perna pinçada por aquelas presas enormes e puxou a cabeça com tanta força que se soltou, caindo para trás e rolando até os pés de seu treinador. Lágrimas redondas pontuavam o canto de seus olhos.

Ai, aquilo doeu.

OFF:

-- Nidoran! -- Junta gritou. Ele estava atônito, ver Nidoran recebendo um ataque ainda imobilizado, esperneando-se de maneira desesperada para retirar a cabeça do buraco, era agoniante demais para o garoto. Assistir as lutas em seus filmes e jogos era diferente de presenciá-las na vida real. Na ficção, os filmes tinham sua dose de poesia e edição, os cenários eram encarnados e a violência também. Os chiados de Nidoran ali, no entanto, eram reais. Sua pata estava machucada, e pelo estalo que Junta ouvira, não eram meros arranhões.

-- Nidoran, você 'tá bem?! -- Ele perguntou para Nidoran, antes mesmo do rato alcançá-lo em fuga. Vendo as lágrimas no canto dos olhos do pokémon, seus chiados de dor ainda ecoavam nos ouvidos do garoto. Junta engoliu em seco. -- Eu subestimei demais ele. Me desculpe, Nidoran.

De um dos bolsos, retirou uma poção que recebera do professor do laboratório, após a série de sermões sobre cuidados e um tanto de outras coisas que Junta certamente não prestou atenção. Assim como a Pokedex, era algo que não planejava, nem sequer considerava que um dia viria a usar. Mas agora, em sua primeira batalha, vendo a situação de Nidoran, reconheceu a importância do item.

Ele aplicou a poção na pata machucada do rato.

-- 'Tá melhor, Nidoran? Acha que pode continuar?

Sua pergunta era sincera. Talvez ainda não estivessem prontos para aquele oponente, até a própria Yakuza tinha ranks de poder.

-- Se 'tiver melhor, eu queria que a gente continuasse. Batalhas difíceis são as que têm mais valor.

Ele disse, sorrindo de canto. Seus olhos não brilhavam tanto quanto no começo da batalha, porém ainda parecia confiante, principalmente quando se tratava de Nidoran. Acreditava que seu pokémon era capaz de vencer, só dependia deles dois.

-- Vamos mudar de estratégia. -- Junta começou a sussurrar para Nidoran em seu ouvido. -- Ele deve 'tá ouvindo a gente. Quando eu falar esquerda, você ataca na direita! Faça o contrário.

Sorriu novamente. Ele se ajeitou numa nova posição de batalha. -- 'Tá pronto? Frente e Direita, Nidoran! Use seu Peck!

OFF-GAME:

Pegue-o!

Era realmente cômico.

Assim que o garoto terminou de gritar frente e Nidoran se mexeu, pronto para avançar para trás, o pokémon simplesmente brotou a sua frente, como se respondesse seu chamado. Nidoran já estava atrás de seu treinador quando aconteceu, virando a cabeça como um gato curioso para o pokémon de capacete. Esse guinchou, esquecendo-se que estava batalhando, mas, então, Junta estava ordenando outro ataque e o pokémon mergulhando de volta a escuridão.

Desta vez, porém, um milagre aconteceu e a previsão de Junta foi certeira. Assim que o pequeno cinzento apareceu à esquerda, Nidoran caiu sobre ele com seu chifre, golpeando bem entre o espaço entre os olhos. O adversário não recuou, guinchando alto antes de fechar as pinças envolta do chifre e aperta com uma força perversa. O que ele não esperava era o veneno subjacente no chifre escorrer por suas pinchas, manchando seu corpo e fazendo rapidamente seu caminho para dentro do corpo. Quase que imediatamente, ela se sentiu mal.

OFF:

-- Isso! -- Junta gritou, socando o ar e comemorando o tão aguardado primeiro ataque bem sucedido que tiveram. Após as diversas falhas fruto das previsões erradas de Junta e todo o desespero e desamparo vivenciado por Nidoran, finalmente serem capazes de acertar um golpe era uma verdadeira onda de alívio para a dupla.

A primeira previsão daquele turno até havia sido mais uma para a lista de erros do garoto, que induzira Nidoran a dar mais uma investida falha, quase fazendo-no parar do lado contrário da arena improvisada. Contudo, quando a segunda investida conectou, numa rápida e precisa virada do rato, não foram capazes de esconder a felicidade em seus olhos. De uma maneira ou de outra, a estratégia infantil de Junta havia funcionado.

-- Heh! É claro que conseguiria, Nidoran. 'Tá vendo? -- Ele acrescentou.

Comemorações e elogios de lado, a batalha ainda não havia acabado. De onde estava, Junta pôde ver o pequeno pokémon oponente um tanto acuado, com uma expressão facial não muito boa. Algo a angustiava, o garoto imaginou, e não parecia ter sido apenas pelo ataque de Nidoran. O motivo, simples de imaginar, lhe ocorreu tão logo se lembrou da descrição da Pokedex que havia lido momentos antes: Poison Point, a habilidade passiva de Nidoran.

Envenenamento, Junta sorriu de canto. Não poderia ter havido momento melhor. Junta era péssimo quando se tratava de ler emoções e intenções de seus oponentes, mas quando o assunto era veneno e suas consequências, ele podia se gabar um tanto. Mas só um tanto, mesmo. Uma criança de doze anos transbordando ingenuidade e auto confiança como ele não ia muito longe nessas horas.

-- Ele 'tá envenenado, Nidoran. A gente tem a vantagem! Vamos continuar com o plano, frente e direita, use Peck mais uma vez!

Nidoran assentiu com um chiado. Revigorado pela poção e pelo sucesso, sua confiança estava recuperada. Ao som dos comandos de Junta, se preparou para o próximo ataque.

OFF-GAME:

Pegue-o!

Talvez fosse a comemoração excessiva de Junta ou o sorriso malicioso que ele lançou para o pequeno inseto quando percebeu que estava envenenado que irritou o inimigo, a pequena coisinha sumindo de vista e reaparecendo bem embaixo dos pés do treinador assim que ele terminou de gritar suas ordens. Nidoran se atrapalhou, de trás do seu amigo, olhando para os pés do menino com pânico enquanto o pokémon pinçava os sapatos, espremendo os pés lá dentro.

Com um grito de fúria, ele se lançou, embora o outro sumiu abaixo da terra. Enquanto Junta saltava de dor, um grito estrangulado saindo de seus lábios, a pequena criatura roxa se jogava na esquerda, conseguindo arranhar o tipo inseto bem na hora que ele emergia, parecendo muito revoltado com a vida. Sem nem mesmo recuar e desgastado pelo veneno, a pequena esburacadora trancava novamente suas pinças ao redor do coelho, dessa vez prendendo sua pata esquerda em um aperto de morte.

OFF:

Excessivamente empolgado com o resultado do último turno, Junta havia esquecido que não havia apenas Nidoran na arena improvisada, mas também havia a si próprio, e que já fora, por diversas vezes, alvo (ou assim entendia) de seu oponente, a despeito da presença de Nidoran como combatente. Quando se deu conta, o pequeno inseto já havia brotado do chão sob seus pés, visando-o com alvo de novo. Não dando tempo para o garoto pensar, ele abocanhou de uma vez só um de seus sapatos sem qualquer dificuldade. A reação de Junta foi imediata.

Sua garganta não foi capaz de expressar a dor que sentia, mas seus olhos arregalados e as lágrimas recém nascidas escorrendo pelo seu rosto supriam a ausência de som. Em desespero, tentou sacudir o pé com truculência, mas o pokémon não o largava - e o movimento de vai e vem parecia esmagar ainda mais seus dedos dentro do calçado. Nidoran, quase tão assustado quanto o dono com a cena, a princípio parecia atônito, não sabendo o quê fazer. Ainda muito novo, a situação era intimidadora demais para sua falta de experiência; e na necessidade de uma atitude imediata, ele se lançou contra o inseto, esperando conseguir que ele, ao menos, largasse seu treinador.

E funcionou. O pé de Junta estava livre. Machucado, mas livre. Seu sapato, porém, era outra história. E, naquele momento, Junta não sabia mais se seu pé doía por causa do ataque sofrido ou pelo grande rasgo que se estendia de uma ponta a outra do calçado. O modelo que usava era uma edição exclusiva da mesma coleção de sua colônia, embora cada um deles fosse inspirada em uma personagem diferente do jogo. Ambas personagens, claro, eram yakuzas.

-- M-meu sapato de edição exclusiva... -- Ele gemeu, deitado no chão. Estava agarrado ao pé com uma das mãos e ao sapato com a outra. Mas já era tarde demais. O sapato desmanchou em seu colo, não havia mais como reutilizá-lo.

-- Meu sapato... -- Seu tom de voz começou a mudar. Por ser um item exclusivo, não era uma compra fácil de se adquirir, nem barata, obrigando Junta, na época, gastar suas economias de aniversário e natal para conseguir obter o modelo. Todos os dias de manhã, antes de sair de casa, e ao voltar de noite, ele cuidadosamente polia o calçado com o lustra-sapatos e colocava-os numa almofadinha fofa sobre a bancada da mesa de seu quarto, para que pudesse admirá-lo e não perdê-lo de vista.

-- ...independente da briga, independente da razão... -- Ele apontou para o inseto e, então, gritou. -- ...nunca se suja o sapato de um yakuza!

Segundo seus filmes, apenas o sangue de seus inimigos podiam tocar o sapato de um yakuza. Não era o caso.

-- Não desista, falta mais um ataque! Esquerda e Direita, e use Peck, Nidoran! Pelos sapatos de Goro Majima! -- Lágrimas escorriam de seu rosto. Eram lágrimas de honra. Lágrimas de luto. Lágrimas de uma perda.

OFF-GAME:

Pegue-o!

Os gritos e a revolta pareceram chamar a atenção do pokémon, que a aparecia bem na frente do garoto com um olha julgador. Ela parecia dizer que não tinha culpa e ele mesmo cavou sua cova, mas apenas continuou parada, olhando estoicamente para o garoto. Era realmente uma peça muito interessante de assistir, embora o Nidoran parecesse igualmente furioso. Ele se lançou contra ela, as patas batendo na areia que ela deixou a se retirar.

Usando o empuxo para mudar de direção, cravou as garras dianteiras para aumentar o atrito e saltou para esquerda, de onde o pokémon brotou, estando muito habituado a tomar aquela direção —talvez fosse canhota? Bem, isso não importava quando o chifre perfurou o capacete e esmagou o pequeno inseto contra o chão. A coitada nem sequer teve uma chance de revidar, seu corpo desmaiado meio fora do buraco e meio dentro, as pinças caídas contra a poeira.

Ele venceu.

OFF: