Oi, diário,

Faz tanto tempo que não lhe escrevo, mas hoje eu preciso por pra fora essa lembrança que me consome e que eu não posso compartilhar com mais ninguém, porque é difícil descansar desse fardo que é a fama.

Me dei conta de que memórias não são só memórias. São como fantasmas que me sopram aos ouvidos coisas que eu quero esquecer, mas não consigo. Por isso eu realmente quis me perder por aí, fingindo que eu nunca precisei de um lugar só meu, mas só me lembro que já tive um nos braços dela.

Hoje eu não consegui dormir, de novo. Quando deitei eu lembrei dela. Daquele sorriso contagiante e do seu olhar tímido. Parece que eu podia sentir mais uma vez o calor do seu corpo aninhado em meus braços, quando ainda era pequena e eu podia carrega-la. Minha primeira e eterna companheira.

Ela me acompanhou do início ao fim em tudo, e compartilhamos mais momentos do que eu poderia descrever. Mas eu tenho certeza que ninguém pode entender essa mágica que acontece entre um Pokémon e seu treinador. É um elo mais forte que, no máximo, mãe e filho humanos conseguem desenvolver, ninguém mais. É mais forte que nós, e mais forte que eles. Tão forte que somos ambos capazes de dar a vida [...] Não. Se eu escrever isso agora vou desabar antes de terminar esse desabafo.

Quando fecho os olhos ela me vem à cabeça e, por mais que eu tente, não consigo lembrar dela em sua imponente Mega forma que as pessoas tanto exaltam... Pra mim ela vai ser sempre aquela coisinha branca e tímida que cabia em meus braços, com todas as inseguranças e inexperiências de uma dupla de principiantes, mas no coração a chama da determinação e da força.

Depois que ela se foi, tenho mais certeza que passei a matar meus heróis pouco a pouco, porque sinto que já não tenho mais lições a aprender. A bondade dela é tudo o que me inspira e me mantém viva, literalmente. Por ela, quero ser forte para continuar celebrando a vida, mas sem ela é pesado e difícil. Quando ela partiu, olhou para trás e me sorriu, e é nesse sorriso que me agarro dia após dia...

“Bip – Bip – Bip – Bip – Bip”, soava o relógio alarmando às 17 horas.

Diantha fingiu não ouvir. Arrumou o roupão branco junto ao corpo e se debruço sobre a página que escrevia. Algumas lágrimas dançavam em sua pálpebra inferior e contrastavam com um sorriso discreto que se formava em seus lábios finos e rosados. Resistente, ela seguia rabiscando naquela folha.

“Toc – Toc – Toc”, agora era a porta que a avisava da hora. “Senhorita Diantha, sua sessão começa em meia hora, precisamos entrar com o figurino...”, veio uma voz feminina do outro lado, carregada em tom de urgência, mas a atriz ignorou isso também.

Sentia que ainda estava em seu direito nestes minutos que pediu para si, e que ninguém podia lhe roubar isso. Não desta vez. Não quando já não estava mais tão disposta a sucumbir às necessidades dos outros e de sua própria reputação. Afinal, aquele evento era só uma concessão da sua imensa caridade.

Quebrou o próprio silêncio com uma rara gargalhada, assim que terminou seus rabiscos, pegando o papel nas mãos e estendendo diante dos olhos. A tristeza deu lugar a um surto de alegria. Feito criança ela rodopiou na cadeira do camarim. Mas, seu momento particular logo era interrompido pelos ruídos de fora, e a insistência de alguém tentando abrir a porta.

Respirando fundo, Diantha dobrou a folha rabiscada com pressa, até reduzi-la a um pequeno quadradinho que escondeu entre seu peito e a peça íntima, junto ao coração, onde deveria ficar. Infelizmente, lembranças e sentimentos eram bens demasiadamente preciosos e as celebridades não podiam se dar ao luxo de deixá-los vulneráveis.

“Senhorita Diantha! O que fez com a maquiagem?”, quebrou o momento a voz indignada da figurinista que enfim conseguia entrar. “Equipe! Quero alguém pra refazer essa maquiagem. Senhorita, precisamos que se vista antes dos últimos ajustes. Os fotógrafos só estão à sua espera”.

Dias como aquele, em que lhe lembravam que era uma celebridade independente do que tivesse acontecido, Diantha sempre dormia mal. Porque, no passado, ela e sua Gardevoir se exibiam como se fossem uma só, agora ela não estava mais ali para aliviar o fardo. Seria uma noite incessante de fotografias para a publicidade de uma campanha.

No fim, pelo menos Diantha teria algo confortante para quando estivesse sozinha novamente. Leria mais uma vez sua página avulsa de diário. Sentiria a saudade apertar no peito, mas o que lhe traria real conforto era lembrar do sorriso dela. O mais honesto e sincero dos sorrisos. Imutável, que trazia memórias de dias mais fáceis. Amada Ralts...

Com saudade,
Diantha

*Este texto contém paráfrases da música Memórias, de Priscilla Novaes Leone (Pitty).

Novus City, uma das cidades mais influentes do novo mundo, centralizadora de viajantes e de imigrantes. Isso só poderia ser melhor – e era – graças ao mercado promissor e a feira popular, na zona sul da cidade. Então que outro lugar seria mais adequado para se conseguir ingredientes interessantes, de diversas regiões e, quem sabe, raros?! Portanto, este era o destino de Mallow.

Pisou na rua de bloquinhos extravasando empolgação naquela manhã de sol radiante, como seu humor. Vestia seu tradicional macacão jeans, perfeito para aproveitar a brisa morna que vinha do mar, mais ao sul. Na cabeça uma tiara com flores vermelhas, inspiração da nova receita. Tsareena, por outro lado, parecia apreensiva, vestida em sua habitual atenção às coisas ao redor, sempre pronta para proteger sua treinadora.

Pendurada no bolso principal do macacão uma folha amassada ameaçava voar a qualquer instante, então a garota a tomou firme nas mãos. Não podia perder sua lista de compras para a nova receita! Na outra mão uma caneta, pronta para riscar todos os itens à medida que fosse encontrando tudo. Na lista ingredientes exóticos e excêntricos, como folhas de Torterra, carvão produzido pelas chamas de uma Rapidash, e o famoso mel de Combee.

As barraquinhas de insumos e alimentos eram sua prioridade, é claro, mas Mallow não resistia em visitar as que também vendiam artesanatos. Ora, nunca duvide de um bom acessório! Você nunca sabe quando um osso de Marowak poderá servir como um excelente misturador de saladas, não é mesmo?

Item a item ela foi assinalando, ficando cada vez mais empolgada com tudo. Isso era ótimo, dadas suas oscilações de humor desde os grandes eventos. Quando finalizou, resistiu um pouco em partir, já que a brisa de mar e a animação do mercado lhe causavam boas sensações. Lembranças, talvez, que seriam mais saudáveis se deixadas bem guardadas por enquanto.

De volta para casa o bistrô era todo seu naquele dia de folga, estando fechado ao público. Era o dia da Mallow, e neste em particular ela finalmente poderia testar a receita que vinha elaborando há semanas. Assim, pôs-se a organizar tudo na cozinha antes de começar. Uma música ambiente lhe arrancava dancinhas empolgadas e risos.

Um ruído discreto na porta dos fundos chamou atenção de Tsareena que correu para atender o visitante que, por instinto, ela já sabia quem era. O queridíssimo Shaymin entrou na cozinha com um punhado das flores que tanto a antiga companheira gostava. Essa sim era uma lembrança que valia a pena!

No quadro de avisos uma nova lista, desta vez a formulação da receita, e uma nova caneta, uma especial para aquele tipo de quadro. Organizada como era, a cozinheira precisava ter todas as etapas alinhadas para não se perder. Aí não demorou para a cozinha se encher de calor, fumaça, bons aromas, música e dancinhas. Um clima contagiante que Mallow aprendeu a apreciar, pois alimentavam sua alma e afastavam memórias e sentimentos ruins.

"Uma pitadinha disso aqui, outra ali [...] Não deixa secar o molho! [...] Talvez precise ajustar o sal no fim. [...] Que tal mais tempero?! [...] Os legumes precisam cozinhar mais um tempo...". Tsareena se dividia em várias, sem se importar, ajudando a garota a cuidar de tantas panelas e processos. Shaymin ajudava como podia levando panelas para lá e para cá, mantendo um pouco de ordem no cenário.

O tilintar de pratos e outras louças logo registravam que a receita se encaminhava para o fim. Bem em tempo, já que o sol começava a se pôr do lado de fora do bistrô, onde as pessoas transitavam sem sequer imaginar que uma invenção acontecia ali dentro. A chef não se importaria com a hora se não tivesse um público bem seleto para atender naquela noite.

Pratos postos, Mallow estava pronta para ser avaliada pelos seus testadores oficiais ali presentes. Tirou uma foto do resultado final para registrar tudo. Enfim, estava pronta a receita que planejou por dias... A Torta Ash! Vegana, vale dizer. Feita com ingredientes defumados, trazendo a chama interior que sempre moveu seu amigo. Um pouco de coco, como uma pitada tropical para lembrar Alola. E para unir os sabores, raspas de uma Berry azeda que, na opinião da chef, davam um toque eletrizante condizente com o homenageado.

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