Uma mão surge em meio a um cemitério, desenterrava-se com rapidez e se levantava no meio da sujeira. O coveiro assustado ficava paralisado, olhava a cena com curiosidade e horror. O cadáver agradável o cumprimentava, deslocava-se de forma desengonçada e entregava para o homem uma folha suja com algumas palavras. Depois ia embora, mancando, gemendo e chorando com alegria.


Passou-se vários e vários dias, e o cadáver ambulante continuava seguindo seu coração morto. De forma incansável e insistente, Skullgirl retomava todo o controle de seu corpo e finalmente conseguia caminhar de forma normal. Com mais alguns dias de duro treino, logo poderia voltar a correr. Neste tempo em que passou mancando, Skull vivenciou experiências nada agradáveis, tais como; pessoas assustadas e perdas de partes importantes. Seu braço esquerdo descolou de seu corpo cinco ou mais vezes, seu tronco foi atropelado por um ônibus e um Pokémon do tipo lutador conseguiu lhe arrancar a cabeça com um golpe mediano. Graças ao universo, zumbis não sentem dor e nem conseguem ficar tristes.

Sua fé era inabalável, seu otimismo parecia ser inumano. A cadáver andava marchando com alegria e um sorriso em seu rosto costurado. Seu corpo magricelo ecoava sons de estalo, suas costelas pulavam para fora de suas vestimentas e seus ossos trincavam. Nada parecia diferente para ela, tudo era novo e estar viva era um sonho maravilhoso. Algo se remexia bem embaixo de sua saia, a coisa pequenininha entrava pela enorme cratera em suas costas e perambulava pelo corpo da apodrecida... mas tudo estava bem, ela estava feliz e sentia que iria chegar em algum lugar. Ignorava o que estava ocorrendo, sabia que algo não estava certo.

Em meio ao horizonte brilhante surgia uma pequena cidade movimentada, repleta de pessoas e abóboras decorativas. Todos estavam fantasiados, pessoas e pokémons brincavam no meio dos monstros. Evitavam o caos que estava o mundo exterior e vivenciavam o que estava lá naquele momento, o grandioso Halloween. Aquela era a oportunidade perfeita para Skullgirl fazer amigos, todos estavam vestidos de criaturas assustadoras e Skull era uma criatura assustadora. Sem medo ou receio, ela se arrastava em meio a multidão animada e quase que imediatamente todos olhavam para a mocinha — "Que fantasia maravilhosa!" — elogios iam e viam para a morta, ela nunca havia sido tão bem tratada no pós vida quanto agora. Curtia o momento sem causar muito, dançava e brincava com as culturas do Dia das Bruxas, nada poderia dar errado... exceto pelo Pokémon inseto que estava saindo do seu ex olho esquerdo — "Que performance maneira!" — dizia uma guria aleatória admirando o inseto carniceiro, que mascava um pedaço de podridão e ao mesmo tempo saía dos olhos da morta. Envergonhada, assustada e arrependida Skull corria para um beco vazio e lá se escondia junto com a criatura que explorava o seu corpo.

Ela fumegava com raiva, era a primeira vez que se sentia injuriada neste novo recomeço — "E-eu não gostei da sua atitude." — batia em sua própria cabeça com força, via que o inseto não queria abandonar sua nova casa. Estava tão revoltada que desalinhou seu pescoço, torceu e torceu, retirou sua própria cabeça e a segurou em suas próprias mãos, sacudia o crânio de um lado para o outro até que Nincada pulava para fora da cachola vazia. A cigarra cambaleava para um lado e para outro, estava tonto com as batidas e mexidas de Skull — "Peço desculpas senhor Nincada, mas você foi muito rude." — o pokémon a encarava e a defunta encarava o Pokémon.

Meio a briga entre morta viva e Pokémon, um velhote passeava pelo beco e observava a situação em choque. O cientista ou melhor Professor Pokémon estava confuso, assustado mas ainda por cima admirado. Se aproximava da garota de forma sorrateira, pisoteava uma embalagem plástica que emitia um característico som... Skull se assustava, seu corpo largava sua cabeça ao chão e esta rolava em direção aos pés do homem estranho. Desconcertada, a mórbida olhava e sorria para o desconhecido — "Céus... que tipo de experimento é você?" — perguntou o velho que sem medo recolheu o crânio da menina e a entregou para seu corpo, onde era seu lugar — "Me desculpe por isso, mas não sei a resposta." — dava de ombros enquanto tentava esconder sua vergonha, olhava para o chão e observava a criatura ao seu lado — "Poderia ficar com ele? Ele não é meu." — o Professor coçava sua cabeça tentando entender a situação, colocava o Pokémon em seu colo e segurava a mão ossuda de Skull — "Peço que me siga, posso ajuda-la." —

Oak, o Professor levará Skull e Nincada para o seu laboratório, onde procurava algumas respostas. Ele injetava diversas agulhadas no braço da finada, uma substância podre enchia a seringa mas não passava de sujeira e outras porcarias do corpo humano. Ela passava por todo o processo sem um pingo de medo, apenas ingeria uma lata de refrigerante, sentia o sabor doce e gasoso, mas o líquido passava pelo seu corpo e depois derramava no chão. Nincada adorava lamber o piso molhado com o açúcar da bebida gasosa, ele estava gostando de acompanhar a moça zumbi. De repente, Oak arremessava as agulhas e seu caderno na mesa, dava-se por vencido — "Não faço ideia do que você é ou como está viva, se é que você seja humana." — ria mas estava incrédulo — "É. Eu também não sei." — ambos ficaram calados e olhavam um para o outro, Skullgirl tentava quebrar o gelo rindo timidamente para o homem.

Passou-se duas semanas de pesquisa, Oak não havia descoberto nada sobre a garota e Nincada havia engordado bastante. Ele encarava a situação como um milagre da natureza... ou melhor do cataclismo. Tinha a teoria que toda a confusão, todo o asfalto, metano, enxofre e demais substâncias foram suficiente para trazer Skull de volta a vida. O velho sorria para a garota, reparava que ela não tinha descansado durante todos aqueles dias e assim uma ideia brotava na mente do cientista — "Você é a pessoa mais doce que eu conheço." — aproximava-se sem permissão da morta, colocava uma de suas mãos em seus cabelos podres e a acariciava de forma camarada — "Sabe que tem uma missão e o mundo precisa de pessoas como você." — pensava silenciosamente durante vários minutos, recolhia um apetrecho na cor roxa e cinco Pokébolas — "Peço que você se torne parte dos Treinadores Pokémon, viva algo que você nunca viveu e mostre para o mundo algo que ele nunca viu!" — a ideia era péssima, e Skull se afastava — "Voc-vo-você é louco? Eu estou morta e Nincada é um obeso... eu tenho muitas coisas para se fazer, eu sinto isso mas não sei o que é ou como começar!" — debruçava-se na mesa, escondia seu rosto entre seus braços tentando esquecer a ideia. Oak levantava o rosto da garota com apenas uma mão, estava sendo gentil — "O cataclismo destruiu tudo, todos estão assustados, você é uma pequena parte boa do que ele trouxe, se é que foi ele. Você sabe que está procurando algo e os Pokémon podem ajuda-la." — abraçava a guria, sentia o medo que ela tinha e via que seus ossos estavam tremendo. Como apoio Nincada saltava sobre a cabeça da falecida, ele arrastava seu rostinho contra o couro cabeludo da zumbi em silêncio, era um gesto estranho de carinho — "Eu... eu... arm... seria isso? Serei uma grande aventureira morta? Okay, podemos tentar né? Hum..." — falava sozinha e em voz alta, pulava da cadeira e deslocava uma perna que segundos depois voltava para o lugar — "Esse mundo está destruído e eu vou consertar... digo, a gente vai." — segurava Nincada e o colocava em seu peito, abraçava o Pokémon com muita fé — "Me entregue tudo que for preciso, estou morta mas esse carinha não. Vou salvar a Pokégea dela mesma e evitar que algo pior aconteça, chega da vida vivenciar a morte e chega da morte ser refém do mal... né?" — um sentimento heroico aparecia em sua mente repleta de teias, ela sabia ou pelo menos achava que estava fazendo o certo e aquele era seu destino.

Com poucos meses após ser ressuscitada, Skull finalmente havia descoberto uma de suas novas vocações. Aquela era a hora de começar a descobrir o porque de ter ressurgido em mundo tão devastado, era hora de ver o que estava rolando e o que poderia rolar... era a hora de nascer uma nova heroína, uma heroína que já se foi a muito tempo e que hoje estava entre os Treinadores Pokémons.